sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Marcelo e Fernanda em: O ponto de ônibus.

14 de março de 2009.
FROM: FERNANDA.

Era um dia de calor. Daqueles que gritavam por um sorvete de menta, na volta pra casa. Comprei o meu sorvete e fui para o ponto de ônibus. Fiquei ali parada por longos minutos. Foi quando conheci Marcelo.

Só havíamos nós, ali. Aliás, em toda a rua. Comecei a sentir uns sintomas de medo, porque o garoto não parava de olhar para mim. E para o meu sorvete também. Seus olhos se moviam cautelosamente do meu rosto, para o meu cabelo, passando pelo sorvete, até as minhas roupas. E assim ele continuou, pelo que, me pareceram, horas intermináveis. Fiquei constrangida e soltei um daqueles sorrisos sem graça, seguido de dois passos para longe.

Minha curiosidade falava mais alto, dessa vez. Comecei a observá-lo. Era bonito. Não bonito nos padrões que todos especificam. Bonito para mim. Atraía-me. Agora parecia inquieto, o moço. Catava alguma coisa no bolso da calça mas não conseguia achar.

Ele veio andando em minha direção, me olhando como se eu fosse sua única esperança. E falou:

“Oi, tem um cigarro?”

Por alguns segundos, temi o motivo da sua aproximação. Depois de ouvir o seu pedido, sorri e falei educadamente:

“Tenho não, moço, não fumo. Mas tenho Halls! Que é bem melhor!” – E estendi o pacote de Halls na sua direção.

Ele aceitou de imediato.

“Não acredito que você não fuma! Estranha, você. Você toma sorvete verde... e não fuma.” Ele disse com um tom de deboche.

Aquele garoto não sabia o que era sorvete de menta? Era a oitava maravilha do mundo!

Gargalhei alto. Enquanto repetia “Sor-ve-te Ver-de” pausadamente. Continuei tendo uma crise de riso.

Quando, enfim, consegui parar de rir, me apresentei.

“Fernanda, prazer. Qual é o seu nome?”

“Marcelo.” Ele respondeu num tom quase inaudível.

Depois de algum tempo de conversa, eu já tinha apresentado a oitava maravilha do mundo para ele. Sorvete de menta, Marcelo. Marcelo, Sorvete de menta. Compartilhei da minha paixão frenética pelos Smiths e.. Ah! Estudávamos na mesma faculdade! Como eu nunca tinha o visto por lá? Não importa o motivo. Agora, eu conhecia o Marcelo.

Não havia tempo para mais conversa, o ônibus tinha acabado de chegar. Porque logo hoje o ônibus decidiu não se atrasar?

Estampei um dos meus melhores sorrisos e me despedi. Despedida de mentira, eu teimava em pensar. E na minha mente, vinha uma cena de filme, em que o Moço vai atrás da Donzela. Entrei no ônibus e ele estava vazio, exceto pelo motorista e o cobrador. Sentei em uma das cadeiras vazias, lá na frente. E meus olhos brilharam, quando olhei para trás, e vi Marcelo subindo, ainda meio desnorteado.

Fiz sinal para que ele sentasse do meu lado, e disse:

“Guardei um lugar pra você, Marcelo. Fiquei imaginando quanto tempo você demoraria pra subir aqui..." – Surpreendeu-me ele ter vindo atrás de mim.

“Eu não demoraria, esse também é o meu ônibus. – ele retrucou - Então, garota-do-sorvete-verde, quer dizer que tens todos os CDs dos Smiths?

“Tenho. E ouço praticamente, todos os dias.” – Fiz questão de me gabar. E ainda continuei:

“Hmm, quero saber porque você acha que sorvete de menta não é bom. Você já provou, por acaso?” – Era inaceitável alguém que já tivesse provado, não gostar.

E ao longo do caminho, a conversa se desenrolou. Falamos sobre política – particularmente, era a mais informada, dos dois -, sobre gostos musicais – alguns parecidos, e outros, nem tanto assim -, sobre filmes – e nesse quesito, tenho direito de revolta. Quem, em sã consciência iria comparar Taxi Driver com O Poderoso Chefão? Aquele menino era maluco, definitivamente.

Qual era a minha vontade? Que o ônibus nunca chegasse no ponto. Era uma vontade estranha, aquela. Principalmente quando se trata de um pseudo-conhecido. Mas o Marcelo era daquele tipo que não se tem vontade de sair de perto. Ele vestia uma calça jeans surrada. Calçava um vans. E usava uma daquelas munhequeiras de couro, com fivelas. O meu tipo de garoto.

O ônibus parou. Deu um aperto no coração e eu falei:

“É aqui que eu desço. Não vai me dizer que aqui também é o seu ponto?” – utilizei a minha ironia, há tanto tempo guardada.

“É, não vou lhe dizer se você não quiser que eu diga.” Ele retrucou e fez uma careta, depois.

Maluco. Maluco de pedra.

Já era a hora. O motorista e o cobrador já deviam estar impacientes, a essa altura.

“Tchau, Marcelo.”

O beijei no rosto. Demorei, sem perceber. Queria que aquele instante não acabasse. Que ficássemos ali. Juntos. Nós dois. E fui me perdendo em devaneios, enquanto descia do ônibus. Andei mais duas quadras, até chegar em casa. Não sei dizer se a rua estava escura, ou clara. Ou quantas pessoas passaram por mim, no caminho. Estava pensando em Marcelo.

Um comentário:

Marcelo Zaniolo disse...

Confesso: fui obrigado a voltar ao início da história e gostei muito.

Tanto a narrativa dele quanto a dela são ótimas. A construção dos personagens e do enredo também. parabéns mesmo.

... E fiquei com vontade de tomar sorvete de menta, deve ser realmente bom! Haha