domingo, 29 de agosto de 2010

Marcelo e Fernanda em: A biblioteca II

15 de março, de 2009
FROM: MARCELO

Acordei meio apressado e nem notei que havia calçado uma meia branca e outra cinza. Precisava chegar na faculdade e procurar a Fernanda.
Só percebi quando o Andy me cutucou no ônibus e fez piada ''cor-sim, cor-não''. Dei-lhe uns tabefes e comecei a contar sobre o dia anterior.

- Tá, você conheceu uma garota super legal e maravilhosa no ponto de ônibus e viveu momentos felizes e romanticos com ela? Que bom, Marcelo. Mas que horas você começa a contar qual era a cor da calcinha dela? Ou o que tem em cima da mesinha de cabeceira? E outros detalhes... - esse é o Andy. Sarcástico e irônico. Não acredita no amor, acha que é fantasia. Não acredita em nada que não o dê uma bela noite de sexo. Eu chamo isso de idiotice, ele chama de pés-no-chão. O Andy é um idiota. Mas é o meu melhor amigo desde o ensino médio, e pra minha total infelicidade, passou no vestibular pro mesmo curso que eu. História.

- Qual é, cara. Foi uma conversa, o único contato que tive com ela foi um beijo que ela me deu no rosto. Nem de longe sexual. E hoje eu vou procurá-la. Sei lá, quem sabe não encontrei alguém dessa vez?
- Cara, essa seca está lhe tornando um babaca.
Ele riu. Eu também ri, mesmo sem concordar totalmente.

Na faculdade, fui à secretaria saber da Fernanda. Agora, aqui fica registrada uma dica para uso posterior: Sempre perguntar o sobrenome. 
Não gosto nem de lembrar a minha cara ao olhar pra a Dona Vilma e dizer:
- Bom dia, dona Vilma... tem alguma Fernanda aqui na faculdade?
Há milhares de alunos pelo campus. A dona Vilma tem 75 anos. Ela não teria motivos pra lembrar de Fernanda alguma. A minha sorte, é que a minha (esse pronome não assume qualquer sentido possessivo, nesta frase) Fernanda, era especial.

-Se estiver falando da Nanzinha, a moça da biblioteca, ela provavelmente já chegou. E está lá... agora..
Não esperei ela terminar. Sabia dentro de mim, que a ''Nanzinha'', era a minha moça-do-sorvete-verde. Corri em direção à biblioteca parecendo um maluco. Devo ter me batido em várias pessoas sem pedir desculpas. Não havia tempo.

Cheguei arfando à biblioteca e não avistei Fernanda de primeira. Sentei para acalmar. A ''Nanzinha'' não era ela. Aliás, que tipo de apelido era esse? Nanzinha... quando ela fosse minha, eu não ia conseguir chamá-la de Nanzinha.
Pra não dar viagem perdida, resolvi escolher um livro pra ler. Fui na seção de policiais, queria algo pra ocupar a mente. Mas lá estava ela.

Sentada no chão, com uns 30 livros ao seu redor. Minha primeira reação foi me esconder atrás da estante, até agora não entendo o por quê. O problema é que ao me jogar com toda a força (desnecessária) para o lado, me bati na estante e derrubei um livro ''Confie em Mim - Harlan Coben''. A capa era azul. Passei um tempo olhando pra ele, e de repente o livro começou a levitar. Me afastei um passo e ao olhar direito, pude ver que havia uma mão levantando-o. Fernanda.

-Ei, moço. Deixou cair? - ela sorria. Tinha os cabelos presos numa espécia de trouxa mal-acabada, a maior parte da franja estava bagunçada. Seu aspecto era engraçado.
- É, sou um desastrado. Estou aqui pra... pegar esse livro, ouvi falar muito dele, quer dizer, dormi pensando nele ontem. - quê? - Então é isso...
-Ok, não precisava dessa explicação. Pode me acompanhar até o balcão. Eu registro ele pra você. - Ela continuava sorrindo e não parecia nem um pouco incomodada com seus cabelos arrepiados. Na verdade, eles realmente não faziam diferença. Ela estava realmente bonita hoje. Senti vontade de abraçá-la.

No balcão, enquanto registrava (de uma forma estranhamente lenta demais), Fernanda notou minhas meias.
-Nova moda huh? - disse, fitando-as.
- Ah, você também? - mostrei-me descontraído demais pro meu gosto - Saí com pressa hoje.. precisa procurar... o .. livro.
-O livro. Aham - ela mordeu os lábios ao dizer isso. Poxa, porque as mulheres fazem isso? Ela era linda. Tinha uma voz maravilhosa. Um corpo perfeito. Cabelos lindos e desarrumados. E mordia os lábios ao falar. Eu só podia estar ficando louco.

- Marcelo? Ei... - ela interompeu meu devaneio sacudindo a sacola nas mãos - Toma aqui. Leva isso - me entregou um papel verde, com meu nome escrito - Leva o tempo que quiser lendo. Só não perde isso. Nem machuca o livro. Tá certo?
-Tá - só deu pra dizer isso.
-Agora eu preciso ir.. tenho que continuar com as prateleiras... Bom te ver, Marcelo. Boa leitura. - E se foi.

Ela tinha a mania de ir embora me deixando sozinho. Ao olhá-la ir, hoje de jeans surrados e regata branca, eu senti mais vontade de abraçá-la.
Droga, por que mesmo eu não abracei?

O resto do dia não importa. Não encontrei Fernanda pelos corredores. Voltei pra casa e cá ficarei esta noite.
Lendo.

Marcelo e Fernanda em: A biblioteca.

15 de março de 2009.
FROM: FERNANDA

Acordei atrasada. Havia me distraído tanto pensando em Marcelo no dia anterior, que esqueci de ativar o despertador. Levantei num pulo da cama, peguei a primeira calça que vi pela frente e puxei a regata branca do cabide. Vesti enquanto descia as escadas, indo em direção à cozinha. Enfiei pela boca um misto de mortadela e queijo, enquanto bebia um chocolate frio. Se eu demorasse mais, ia perder o ônibus. Saí correndo de casa, enfiando os livros dentro da bolsa. Felizmente, consegui chegar a tempo.

Minha amiga da faculdade, a Laura, tinha guardado um lugar pra mim ao seu lado. Fui uma parte do caminho em silêncio, lembrando do moço-que-gosta-de-cigarros. Laura achou estranho, já que nem bom dia eu tinha dito. Minha cabeça estava tão nas nuvens, que acabei esquecendo. Ela ficou me analisando durante segundos e fazia caretas.

“Que cara é essa?” Perguntei, quando percebi que estava sendo observada com caretas.
“Anda, Fernanda, pode ir me contando.. Quem é ele?” Ela me olhava com curiosidade.
“Hã? Ele? Quem?” Não daria o braço a torcer tão fácil, assim.
“Nem tente esconder de mim, tá? Só um homem podia te deixar tão abobalhada assim.”
Ela tinha vencido. A Laura me conhece há 5 anos, e não conseguimos esconder as coisas uma da outra.

“Ai, ele é... lindo.”
“Eu bem conheço a sua noção de lindo, Dona Fê. É bem distorcida da maioria e..”
“Não, sério. Ele é lindo de verdade!”
Fui contando toda a história da noite anterior. Detalhe por detalhe, apesar dela não ter dado muita atenção, por achar que não passava de mais uma das minhas paixonites passageiras.

Nos separamos assim que chegamos na faculdade. Ela foi em direção a sua sala e eu até a biblioteca. Fiz o velho percurso para chegar até lá, passando pela dona Vilma, que é a responsável na secretaria e pelo zelador.
“Bom dia, dona Vilma! Como vai a senhora?”
“Bom dia, José!”

Enfim, biblioteca. Cedo da manhã e já tinham vários livros esperando para serem colocados nos lugares. Lá fui eu, me enfiar entre as prateleiras entupidas de livros. Espalhei todos em uma meia-lua no chão, ao meu redor. Ali sentei, comecei a cantarolar baixinho e arrumar os livros. O dia era mesmo digno de música.
De repente, alguém se esbarra com força na prateleira de trás e deixa um livro de capa azul cair no chão. Fui até lá pegar, era ''Confie em Mim - Harlan Coben'', e o moço desatento ainda estava ali.

“Ei, moço. Deixou cair?” Perguntei, sem o olhar no rosto.
“É, sou um desastrado. Estou aqui pra.. pegar esse livro, ouvi falar muito dele, quer dizer, dormi pensando nele ontem... Então é isso..” Assim que ele falou, reconheci sua voz. Era Marcelo, sem dúvidas. Sorri por dentro.
“Ok, não precisava dessa explicação. Pode me acompanhar até o balcão. Eu registro ele pra você.” Tentei parecer normal, e fingir que nada havia mudado de uma noite pra cá. Afinal, duas pessoas que se conhecem no ponto de ônibus, são só duas pessoas esperando o ônibus. Nada grandioso.

Fui para o balcão registrar o livro. Marcelo me seguia. O fiz ainda meio ausente da realidade. Viajando em pensamentos, quando percebi as meias alternadas que ele calçava.

“Nova moda huh?” Disse, indicando as meias com os olhos.
“Ah, você também? Saí com pressa hoje.. precisava procurar... o .. livro.”
“O livro. Aham” Tudo no dia dele parecia girar em torno desse livro. Ou ele estava obcecado para lê-lo logo, ou realmente era meio maluco. Ele fazia do tipo maluco. Meu tipo. Meu Deus, o que está acontecendo? Estou mesmo me encantando pelo moço-que-gosta-de-cigarros?

“Marcelo? Ei..” Chamei a atenção, sacudindo a sacola com o precioso livro nas mãos. – “Toma aqui. Leva isso” Entreguei-lhe um papel verde, com seu nome escrito – “Leva o tempo que quiser lendo. Só não perde isso. Nem machuca o livro. Tá certo?” Tentei parecer uma garota legal, e acho que não surtiu efeito, porque ele soltou um “Tá”.
“Agora eu preciso ir.. tenho que continuar com as prateleiras... Bom te ver, Marcelo. Boa leitura.” Falei rapidamente. Afinal, depois de um “Tá” não seguido de “Obrigada” é o que se pode dizer. E saí.

As borboletas dentro do meu estômago já faziam um alvoroço. Eu podia estar voando, por causa delas. – Se isso fosse possível, lógico. E estava. Estava nas nuvens, abraçando o Meu Lindo. Chamo-o assim, sem que ele saiba.

O resto do dia foi tedioso. Como sempre é, dentro da biblioteca. Livros pra lá, livros pra cá. Voltei para casa, ainda pensando no acontecimento da manhã.
A noite foi inquieta. Queria logo era o outro dia. E poder ver Marcelo de novo.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Marcelo e Fernanda em: O ponto de ônibus II

14 de março de 2009
FROM: MARCELO

O maldito ônibus já estava atrasado há 5 minutos. E eu lá em pé, há cinco minutos.
Foi quando conheci Fernanda.

Ela chegou tomando um sorvete na casquinha, era uma coisa verde e preta. Fiquei tentado perguntar de quê era, mas devia ser muito bom, porque ela tomava com uma vontade...
Fiquei olhando-a, pelo que pareceram horas e ela percebeu. Me sorriu sem-graça e se afastou dois passos. Eu quis rir. Mas esqueci como fazia. Os seus longos cabelos cacheados e seu rosto não me deixavam  pensar em mais nada.

Ih, cara...o ônibus! Esqueci do ônibus. Provavelmente ele já havia passado. Merda. Estressei.
Precisava de um cigarro. Catei no bolso e havia uma moeda de cinquenta centavos, um passe de ônibus e uma bala de menta, que devia estar ali faz tempo.
''Será que aquela moça fuma?'' - pensei. E fui lá.

"Oi, tem um cigarro?" - Ela me olhou agora como se eu fosse uma aberração. E falou, numa voz doce:
"Tenho não, moço, não fumo. Mas tenho Halls! Que é bem melhor!" - Ironicamente, eu senti uma vontade imensa de enfiar o pacote inteiro de Halls na boca. Detesto Halls. Aceitei, e quis continuar a conversa. Ela era muito linda!

"Não acredito que você não fuma! Estranha, você. Você toma sorvete verde... e não fuma."
Ela deu uma gargalhada e repetiu devagar ''Sor-ve-te ver-de''. E teve o que me pareceu uma crise de riso. Lindo sorriso, aliás. Quando ela finalmente parou de sorrir, me disse seu nome. Fernanda. E perguntou o meu. Falei um rápido ''Marcelo'', e então, a conversa andou.

Em poucos minutos, eu descobri que o sorvete verde, era de chocolate com menta, e que faziamos a mesma faculdade (informação mais preciosa. Estou anotando para não esquecer).
A essa altura, eu sabia que teria que ir andando pra casa. Mas quem ligava? Agora eu conhecia Fernanda.
O ônibus dela chegou. E ela me sorriu e disse:
"A gente se vê, Marcelo..."

Enquanto Fernanda se afastava, eu tive vontade de correr e puxá-la pelo braço pra que ficasse mais um pouco, ou então entrar no mesmo ônibus... E foi o que eu fiz. Mesmo sabendo que o caminho era completamente oposto ao meu, entrei naquele ônibus. Estava completamente vazio, exceto pelo cobrador, o motorista e nós dois. Ela sorriu ao me ver. E fez um sinal para que eu sentasse ao seu lado:

"Guardei um lugar pra você, Marcelo. Fiquei imaginando quanto tempo você demoraria pra subir aqui..." - Fui pego de surpresa. Gosto disso.
"Eu não demoraria, esse também é o meu ônibus." - Retruquei. "Então, garota-do-sorvete-verde, quer dizer que tens todos os cds dos Smiths?"
"Hmm, quero saber porque você acha que sorvete de menta não é bom. Você já provou, por acaso?"

E fomos assim, o caminho inteiro. Discutindo o gosto do sorvete e em intervalos, discutiamos política (ela entende muito mais que eu do assunto. Acho que vou ler mais a respeito), música (gostos parecidos, mas ela é muito romântica...), filmes (essa garota é maluca.O filme favorito dela é Taxi Driver! Ok, é um ótimo filme.. mas, o favorito? Onde entra O poderoso chefão nessa história? Ah, discutimos isso também)...

Eu não queria que o ônibus chegasse ao ponto. É estranho quando se conhece alguém tão rápido e não pára mais de conversar, e não quer sair de perto...
A Fernanda é esse tipo de menina. Que a gente não quer sair de perto. Notei sua roupa, enquanto ela falava animada das sequencias frenéticas do filme do DeNiro. Uma saia florida e uma blusa listrada. Ambas, blusa e saia, completamente fora de sintonia. Mas lhe caíam tão bem... era a garota mais bem vestida que eu havia visto na vida.

Agora, o ônibus parou.
"É aqui que eu desço" - Disse ela. "Não vai me dizer que aqui TAMBÉM é o seu ponto?" - Continuou, irônica.
"É, não vou lhe dizer se você não quiser que eu diga." -DE ONDE EU TIREI ISSO, MEU DEUS?
"Tchau, Marcelo." - e me beijou no rosto. Demoradamente. Fechei os olhos e me senti estúpido. Quando os abri, ela não estava mais ali.

Então éramos eu e o cobrador naquele ônibus que não ia na minha direção. Esperei uns minutos e desci.
Voltei andando pra casa. E pensando em Fernanda.

Marcelo e Fernanda em: O ponto de ônibus.

14 de março de 2009.
FROM: FERNANDA.

Era um dia de calor. Daqueles que gritavam por um sorvete de menta, na volta pra casa. Comprei o meu sorvete e fui para o ponto de ônibus. Fiquei ali parada por longos minutos. Foi quando conheci Marcelo.

Só havíamos nós, ali. Aliás, em toda a rua. Comecei a sentir uns sintomas de medo, porque o garoto não parava de olhar para mim. E para o meu sorvete também. Seus olhos se moviam cautelosamente do meu rosto, para o meu cabelo, passando pelo sorvete, até as minhas roupas. E assim ele continuou, pelo que, me pareceram, horas intermináveis. Fiquei constrangida e soltei um daqueles sorrisos sem graça, seguido de dois passos para longe.

Minha curiosidade falava mais alto, dessa vez. Comecei a observá-lo. Era bonito. Não bonito nos padrões que todos especificam. Bonito para mim. Atraía-me. Agora parecia inquieto, o moço. Catava alguma coisa no bolso da calça mas não conseguia achar.

Ele veio andando em minha direção, me olhando como se eu fosse sua única esperança. E falou:

“Oi, tem um cigarro?”

Por alguns segundos, temi o motivo da sua aproximação. Depois de ouvir o seu pedido, sorri e falei educadamente:

“Tenho não, moço, não fumo. Mas tenho Halls! Que é bem melhor!” – E estendi o pacote de Halls na sua direção.

Ele aceitou de imediato.

“Não acredito que você não fuma! Estranha, você. Você toma sorvete verde... e não fuma.” Ele disse com um tom de deboche.

Aquele garoto não sabia o que era sorvete de menta? Era a oitava maravilha do mundo!

Gargalhei alto. Enquanto repetia “Sor-ve-te Ver-de” pausadamente. Continuei tendo uma crise de riso.

Quando, enfim, consegui parar de rir, me apresentei.

“Fernanda, prazer. Qual é o seu nome?”

“Marcelo.” Ele respondeu num tom quase inaudível.

Depois de algum tempo de conversa, eu já tinha apresentado a oitava maravilha do mundo para ele. Sorvete de menta, Marcelo. Marcelo, Sorvete de menta. Compartilhei da minha paixão frenética pelos Smiths e.. Ah! Estudávamos na mesma faculdade! Como eu nunca tinha o visto por lá? Não importa o motivo. Agora, eu conhecia o Marcelo.

Não havia tempo para mais conversa, o ônibus tinha acabado de chegar. Porque logo hoje o ônibus decidiu não se atrasar?

Estampei um dos meus melhores sorrisos e me despedi. Despedida de mentira, eu teimava em pensar. E na minha mente, vinha uma cena de filme, em que o Moço vai atrás da Donzela. Entrei no ônibus e ele estava vazio, exceto pelo motorista e o cobrador. Sentei em uma das cadeiras vazias, lá na frente. E meus olhos brilharam, quando olhei para trás, e vi Marcelo subindo, ainda meio desnorteado.

Fiz sinal para que ele sentasse do meu lado, e disse:

“Guardei um lugar pra você, Marcelo. Fiquei imaginando quanto tempo você demoraria pra subir aqui..." – Surpreendeu-me ele ter vindo atrás de mim.

“Eu não demoraria, esse também é o meu ônibus. – ele retrucou - Então, garota-do-sorvete-verde, quer dizer que tens todos os CDs dos Smiths?

“Tenho. E ouço praticamente, todos os dias.” – Fiz questão de me gabar. E ainda continuei:

“Hmm, quero saber porque você acha que sorvete de menta não é bom. Você já provou, por acaso?” – Era inaceitável alguém que já tivesse provado, não gostar.

E ao longo do caminho, a conversa se desenrolou. Falamos sobre política – particularmente, era a mais informada, dos dois -, sobre gostos musicais – alguns parecidos, e outros, nem tanto assim -, sobre filmes – e nesse quesito, tenho direito de revolta. Quem, em sã consciência iria comparar Taxi Driver com O Poderoso Chefão? Aquele menino era maluco, definitivamente.

Qual era a minha vontade? Que o ônibus nunca chegasse no ponto. Era uma vontade estranha, aquela. Principalmente quando se trata de um pseudo-conhecido. Mas o Marcelo era daquele tipo que não se tem vontade de sair de perto. Ele vestia uma calça jeans surrada. Calçava um vans. E usava uma daquelas munhequeiras de couro, com fivelas. O meu tipo de garoto.

O ônibus parou. Deu um aperto no coração e eu falei:

“É aqui que eu desço. Não vai me dizer que aqui também é o seu ponto?” – utilizei a minha ironia, há tanto tempo guardada.

“É, não vou lhe dizer se você não quiser que eu diga.” Ele retrucou e fez uma careta, depois.

Maluco. Maluco de pedra.

Já era a hora. O motorista e o cobrador já deviam estar impacientes, a essa altura.

“Tchau, Marcelo.”

O beijei no rosto. Demorei, sem perceber. Queria que aquele instante não acabasse. Que ficássemos ali. Juntos. Nós dois. E fui me perdendo em devaneios, enquanto descia do ônibus. Andei mais duas quadras, até chegar em casa. Não sei dizer se a rua estava escura, ou clara. Ou quantas pessoas passaram por mim, no caminho. Estava pensando em Marcelo.